‘Não só de pão vive o homem…” 685931

da disegno 9x9cm 2000 circa

 

No início da nossa caminhada quaresmal, a Palavra de Deus convida-nos à “conversão” – isto é, a recolocar Deus no centro da nossa existência, a aceitar a comunhão com ele, a escutar as suas propostas, a concretizar no mundo – com fidelidade – os seus projetos – “Não só de pão vive o homem, mas de toda Palavra da boca de Deus”.

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A primeira leitura, Gen 2, 7-9; 3, 1-7 afirma que Deus criou o homem para a felicidade e para a vida plena. Quando escutamos as propostas de Deus, conhecemos a vida e a felicidade; mas, sempre que prescindimos de Deus e nos fechamos em nós próprios, inventamos esquemas de egoísmo, de orgulho e de prepotência e construímos caminhos de sofrimento e de morte.

Salmo 50 – Criai em mim um coração que seja puro… R. Piedade, ó Senhor, tende piedade, pois pecamos contra vós.

A segunda leitura, Rom 5, 12-19 propõe-nos dois exemplos: Adão e Jesus. Adão representa o homem que escolhe ignorar as propostas de Deus e decidir, por si só, os caminhos da salvação e da vida plena; Jesus é o homem que escolhe viver na obediência às propostas de Deus e que vive na obediência aos projetos do Pai. O esquema de Adão gera egoísmo, sofrimento e morte; o esquema de Jesus gera vida plena e definitiva.

O Evangelho, Mt 4, 1-11 apresenta, de forma mais clara, o exemplo de Jesus. Ele recusou – de forma absoluta – uma vida vivida à margem de Deus e dos seus projetos. A Palavra de Deus garante que, na perspectiva cristã, uma vida que ignora os projetos do Pai e aposta em esquemas de realização pessoal é uma vida perdida e sem sentido; e que toda a tentação de ignorar Deus e as suas propostas é uma tentação diabólica e que o cristão deve, firmemente, rejeitar.

Leia aqui duas belas reflexões sobre a Liturgia do I Domingo da Quaresma:

1. Mistério da vida e mistério da morte 2x4s2i

Logo no início deste santo caminho para a Páscoa, a Palavra de Deus nos desvenda dois mistérios tremendos: o mistério da piedade e o mistério da iniquidade! Esses dois mistérios atravessam a história humana e se interpenetram misteriosamente; dois mistérios que nos atingem e marcam nossa vida, e esperam nossa decisão, nossa atitude, nossa escolha! Um é mistério de vida; o outro, mistério de morte.

Comecemos pelo mistério da iniquidade: “O pecado entrou no mundo por um só homem. Através do pecado, entrou a morte. E a morte ou a todos os homens, porque todos pecaram”. Eis! A vida que vivemos, a vida da humanidade é uma vida de morte, ferida por tantas contradições, por tantas ameaças físicas, psíquicas, morais… Viver tornou-se uma luta e, se é verdade que a vida vale a pena ser vivida, não é menos verdade que ela também tem muito de peso, de dor, de pranto, de fardo danado. Mas, como isso foi possível?

Escutemos a primeira leitura: “O Senhor Deus formou o homem do pó da terra, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida e o homem tornou-se um ser vivente”. Somos obra de Deus, do seu amor gratuito: do nada ele nos tirou e encheu-nos de vida. Mais ainda: “O Senhor Deus plantou um jardim em Éden, ao oriente, e ali pôs o homem que havia formado”. Vede: o Senhor não somente nos tirou do pó do nada, não somente nos encheu de vida; também nos colocou no jardim de delícias, pensou nossa vida como vida de verdade toda banhada pela luz do oriente.

E mais: nosso Deus eava no jardim à brisa do dia (cf. Gn 3,8), como amigo do homem. Eis o mistério da piedade, o projeto que Deus concebeu para nós desde o início, apresentado pela Palavra de modo poético e simbólico: um Deus que é Deus de amor, de ternura, de carinho, de respeito pela sua criatura, com a qual ele deseja estabelecer uma parceria; um homem chamado a ser plenamente homem: feliz na comunhão com Deus, feliz em ter no seu Deus sua plenitude e sua vida; homem plenamente homem nos limites de homem. O homem é homem, não é Deus! Somente o Senhor Deus é o Senhor do Bem e do Mal. Por isso as duas árvores no Éden: a do conhecimento do Bem e do Mal (isto é, o poder de decidir por si mesmo o que é bem ou mal, certo ou errado) e a árvore da Vida (da vida plena, da vida divina). Se o homem confiasse em Deus, se cumprisse seu preceito, se reconhecesse seus limites, um dia comeria do fruto da árvore da Vida…

Mas, o homem foi seduzido; é seduzido inda agora: deseja ser seu próprio Deus, sem nenhum limite, sem nenhuma abertura à graça! Somente sua vontade lhe importa, somente sua medida! Hoje, como no princípio, ele pensa que é a medida de todas as coisas! Eis aqui o seu pecado! O Diabo o seduz: primeiro distorce o preceito de Deus (“É verdade que Deus vos disse: ‘Não comereis de nenhuma das árvores do jardim’?”), semeando no coração do homem a desconfiança e o sentimento de inferioridade; depois, mente descaradamente:“Não! Vós não morrereis! Vossos olhos se abrirão e sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal!” Ser como Deus, decidindo de modo autônomo o que é certo e o que é errado; decidindo que a libertinagem é um bem, que as aventuras com embriões humanos, que o aborto, que a infidelidade feita de preservativos, são um bem… Decidindo loucamente que levar a sério a religião e a Palavra de Deus é um mal… Ser como Deus… Eis nosso sonho, nossa loucura, nossa mais triste ilusão! Tudo tão atraente, tudo tão apto para dar conhecimento, autonomia, felicidade… O resultado: os olhos dos dois se abriram: estavam nus… estamos nus… somos pó e, por nós mesmos, ao pó tornaremos, inapelavelmente!

Então, nosso destino é a morte? Não há saída para a humanidade? O mistério da iniqüidade destruiu o mistério da piedade? Não! De modo algum! Ao contrário: revelou-o ainda mais: “A transgressão de um só levou a multidão humana à morte; ma foi de modo bem superior que a graça de Deus… concedida através de Jesus Cristo, se derramou em abundância sobre todos. Por um só homem a morte começou a reinar. Muito mais reinarão na vida, pela mediação de um só, Jesus Cristo, os que recebem o dom gratuito e superabundante da justiça”. Eis aqui o mistério tão grande, o mistério da piedade, o centro da nossa fé: em Cristo revelou-se todo o amor de Deus para conosco; pela obediência de Cristo a nossa desobediência é redimida; pela morte de Cristo na árvore da cruz, nós temos o ao fruto da Vida, da Vida plena, da Vida em abundância, da Vida que nunca haverá de se acabar! Pela obediência de Cristo, pelo dom do seu Espírito, nós temos a vida divina, nós somos divinizados, somos, por pura graça, aquilo que queríamos ser de modo autônomo e soberbo! Assim, manifestou-se a justiça de Deus: em Jesus morto e ressuscitado por nós – e só nele! – a humanidade encontra vida!

Mas, esta salvação em Jesus teve alto preço: a encarnação do Filho de Deus e sua humilde obediência, até a morte e morte de cruz. O Senhor desfez o nó da nossa desobediência, da nossa auto-suficiência, da nossa prepotência, renunciando ser o senhor de sua existência humana: ele acolheu a proposta do Pai, ele se fez obediente: à glória do pão (dos bens materiais, dos prazeres, do conforto) ele preferiu a Palavra do Pai como único sentido e única orientação de sua vida; à glória do sucesso (a honra, a fama, o aplauso), ele preferiu a humildade de não tentar Deus; à glória do poder (da força, das amizades poderosas e influentes, do prestígio político para impor e conseguir tudo) ele preferiu o compromisso absoluto e total com o Absoluto de Deus somente. Assim, Cristo Jesus, o Homem novo, o novo Adão (de quem o primeiro era somente figura e sombra) abriu-nos o caminho da obediência que nos faz retornar ao Pai!

Este é também o nosso caminho. Nossa vocação é entrar, participar, da obediência de Cristo pela oração, a penitência e a caridade fraterna para sermos herdeiros de sua vitória pascal! Este sagrado tempo que estamos iniciando é tempo de combate espiritual, para que voltemos, pelo caminho da obediência Àquele de quem nos afastamos pela covardia da desobediência. Convertamo-nos, portanto! Deixemos a teimosia e a ilusão de achar que nos bastamos a nós mesmos! Sinceramente, abracemos os sentimentos de Cristo, percorramos o caminho de Cristo, convertamo-nos a Cristo!

Concluamos com as palavras da Coleta de hoje: “Concedei-nos, ó Deus onipotente, que, ao longo desta quaresma, possamos progredir no conhecimento de Jesus Cristo e corresponder ao seu amor por uma vida santa”. Amém.  D. Henrique Soares da Costa

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2. O prazer, o ter e o poder. 221ld

“O Senhor formou o homem do pó da terra…” (Gn 2,7). Esta afirmação nos remete a uma das exortações prescritas para a distribuição das cinzas: “Lembra-te que é pó, e ao pó voltarás”. De fato, somos pós, terra, fragilidade. O ser humano vive do sopro divino, mas não perde a sua fragilidade, e Deus sabe de que barro somos feitos. A Quaresma é uma oportunidade para nos lembrarmos de nossa condição, deixando de lado o orgulho autossuficiente, faz-nos conscientes de que a tentação pode nos fazer sucumbir.

O deserto é um lugar teológico de profundo significado. Não se trata de um espaço geográfico, mas de uma experiência espiritual de solidão e silêncio. Somente quando nos afastamos dos ruídos, da agenda atribulada, das superficialidades da vida e até mesmo das pessoas, por algum tempo, poderemos olhar para o profundo de nosso coração. Lá não encontraremos apenas bondade, mas muitas necessidades não satisfeitas, ambições desordenadas, seguranças falsas. É importante deixar-se conduzir ao deserto para perceber quais são as vozes que gritam dentro de nós. Um pouco da ausência das ilusões desta vida nos ajudam a perceber o quanto elas nos fazem falta. A experiência do deserto descrita no Evangelho é uma luta contra as tentações. É necessário que o demônio se mostre, que o mal se faça emergir para que saibamos contra o que lutamos.

Mesmo Jesus, o Filho de Deus, foi tentado a sucumbir, foi tentado a deixar o seu projeto em prol do Reino e da salvação para abraçar seguranças do prazer, do ter, do poder. Tais tentações acompanharam Jesus durante toda a sua vida, e acompanham também a nossa vida. Todos nós desejamos sempre substituir Deus por coisas, situações e pessoas. Queremos ser tão donos e controladores de nossas vidas, de modo a não itirmos que algo possa atrapalhar cada o imaginado em busca da autossatisfação. Mas a vida não é assim… A vida é um mistério que de desvela, e somente pode ser compreendido à luz de Deus que não nos deixa ao largo do caminho…

As tentações são bem localizadas na cena do Evangelho:o prazer, o ter e o poder:

a) “Se és filho de Deus, manda que estas pedras se mudem em pão”. É a tentação de buscar ser saciado a todo custo. Hoje temos um cardápio de possibilidades para nos saciar: restaurantes, lazeres, compras, programas televisivos. Podem facilmente nos colocar na condição da futilidade, de uma vida sem projeto, inundada no prazer momentâneo das coisas que nos ocupam o tempo, enquanto não estamos trabalhando. É importante ter o necessário, o pão de cada dia, mas não o excesso dos prazeres. O pior é pensar que os prazeres são essenciais para que a vida possa seguir o seu curso. O extremo é deixar de lado o que nos preenche verdadeiramente: o pão da Palavra e o Pão da Eucaristia. Nada pode ocupar o lugar de Deus em nossa vida: “Não só de pão vive o homem”.

b) “Eu te darei todo este poder e toda a sua glória…” O diabo é o doador dos bens, mas pede adoração. É fácil nos curvarmos diante dos bens deste mundo, pois estamos na sociedade do consumo. A cada instante, os comerciais nos dizem que adquirir determinado produto vai nos fazer mais felizes. Mas a felicidade jamais está no possuir. O apego aos bens deste mundo são ilusões, fazem-nos desviar do sentido verdadeiro da existência, fazem-nos não confiar em Deus – o verdadeiro tesouro. Precisamos viver com liberdade diante dos bens, partilhando e despojando-nos do que atrapalha.

c) “Se és filho de Deus, atira-te daqui para baixo”. É a tentação de se usar o poder para o exibicionismo, em benefício próprio… Também queremos o prestígio, o reconhecimento, a fama… O poder é mais destrutivo do que o próprio dinheiro e acúmulo de bens. Somos tentados a fazer mal uso do poder para nos contentar em nosso desejo de ter autoridade. Queremos, também, ter o controle mágico sobre a vida, o controle total sobre o presente e o futuro. Mas a vida segue com suas surpresas. A confiança em Deus faz-nos encontrar nas surpresas, o Espírito.

Pe. Roberto Nentwig

 

 

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